Dia da saudade

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Falta muito pro Carnaval? – Foto: Fábio De Nittis

Eu não sei se existe um dia específico da saudade, mas o meu foi 13 de setembro. É que Buenos Aires, todo fim de semana, celebra a cultura de um país diferente e naquele dia foi a vez do Brasil. Confirmei presença no evento e vi que ia ter comida e dança típica.

Daí que fui com a minha amiga Gabi, que é brasileira também, rumo à Avenida de Mayo, já pertinho da Casa Rosada, pra matar saudade de pão de queijo, pastel, coxinha, do axé e do samba. No caminho ouvimos os primeiros batuques e que surpresa chegar e ver que, apesar de ser um sábado frio e escuro, o evento estava lotado.

Eram dois quarteirões de barraquinhas que, além de vender os benditos salgados (tinha coxinha maravilhosa por 10 pesos, só 2,70 reais, pela cotação oficial de setembro de 2014), também tinham uma infinidade de doces e suco de fruta, o que foi um sucesso já que aqui na Argentina aparentemente há menos frutas que no Brasil e no inverno nem sempre dá para encontrar fruta bem conservada e com preço em conta.

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Em plena Bs As – Foto: Fábio De Nittis

Mas olhares curiosos e nostálgicos estavam voltados mesmo para o palco, onde diversas atrações se alternavam: teve apresentações de samba, pagode, axé, funk, sertanejo, MPB e outros tantos ritmos deste Brasil tão rico culturalmente. Na plateia, além da comunidade brasileira em peso, tinha bastante argentino também. Porque, ao contrário do que a mídia tenta vender, muitos argentinos se interessam pela cultura brasileira e vai passar as férias aí (da mesma forma que milhares de brasileiros conheceram e têm conhecido e amado Buenos Aires nos últimos anos).

O público estava bastante contido no começo da festa. Mas as atrações foram ficando mais animadas, o pessoal foi bebendo (porque tem litro de cerveja a partir de 3 reais e de vinho a partir de 7 reais nesta cidade, né) e dali uns minutos mais parecia festa de faculdade. Excelente o astral, mesmo sob a intensa tempestade que começou a partir das 6:30 da tarde, que não fez ninguém sair, já que a folia se prolongou até 10 da noite.

Voltei para a casa com a sensação de alma lavada, porque deu para matar um pouco da saudade, ao mesmo tempo que aumenta a vontade de visitar o Brasil. Aliás, eu digo que sempre quis unir Brasil e Argentina no mesmo lugar. Daí a felicidade do dia do Brasil aqui e de ir comer empanadas em São Paulo.

Muita gente tem a ideia que tudo no exterior é melhor, que mudar de país é fácil, e não é bem assim. Tem o lado bom e o ruim, como todo lugar. E, para mim, a pior parte do lado ruim não tem nada a ver com o país: é a saudade.  Nestas horas, quando a gente se sente próximo de casa, se identifica,  percebe o quanto o Brasil é um país animado, feliz, legal e o quanto faz falta. E o quanto o que está lá faz falta: a zoeira do cruzamento da Paulista e da Augusta numa noite de sábado, os amigos, as festas, a família, até a rotina. E pra quem se sente 50% daqui e 50% de lá, no que se refere a gosto, a solução é só uma: morar em um lugar e sempre revisitar o outro. Assim espero poder fazer a vida toda.

Meio ano portenho

Uma das vistas mais bonitas da cidade, na minha opinião - Foto: Nelson De Nittis

Avenida de Mayo e Congreso: uma das vistas mais bonitas da cidade, na minha opinião – Foto: Nelson De Nittis

De repente o tempo voou sem eu me dar conta e: seis meses de Buenos Aires. Meio ano. E é engraçada a percepção do tempo. Quando penso no quanto de mudanças pelas quais passei e na saudade que sinto dos meus amigos, da minha família e do meu cachorro, parece que faz, na verdade, uns seis anos que estou aqui sem vê-los. Quando penso na faculdade, no emprego que eu tinha, nossa, já parece outra vida.

Os problemas que eu enfrentava no Brasil ficaram tão para trás. Porque, é claro, as coisas boas a gente se adapta rápido: enfim morar perto de tudo, estar bem servido de transporte, andar de ônibus sem catraca e pagar uma tarifa irrisória, que não chega a 1 real. Como permaneci todo este tempo morando em um só bairro, parece que a Avenida Rivadavia sempre foi o cenário da minha vida toda. É estranha esta sensação de estar tão familiarizado, inclusive com aqueles probleminhas do dia a dia.

Por outro lado, não vi este tempo passar. Como não tem nada estável – estável para mim virou a instabilidade – por enquanto, tive a sensação de que, apesar de ser setembro, 2014 não começou de fato. Mas já vai acabar. E eu me imaginava nesta época já ter renda mensal fixa, mil amizades, estar em balada todo fim de semana, falar espanhol perfeito e até já ter viajado para o Brasil. Ó AZIDEIA. Só me esqueci que tudo o que é construído em 23 anos em um lugar não é possível de ser construído em poucos meses em outro, ainda mais sendo outro país. Certamente, aprender a ter menos pressa foi um grande aprendizado deste período aqui. É clichê, mas tudo tem seu tempo.

E, sem perceber, começam a acontecer coisas do tipo: entender cada vez melhor os grandes temas do país (tipo economia, política, cultura), começar a saber da vida das celebridades locais porque passa na televisão, saber onde estão os canais da TV, conhecer as músicas nacionais que tocam no rádio, saber o preço das coisas em pesos e começar a esquecer quanto pagava pelas mesmas coisas em reais, achar normal viver num país com inflação (ainda que eu viva falando do tema nas redes sociais), começar a trocar o Mc Donalds que eu comia em São Paulo pelas empanadas quando se precisa comer rápido, não perceber o gosto salgado da água mineral daqui, pedir prato em restaurante e comer sem sentir falta do arroz, trocar encontro em bar por tomar café porque faz frio, tomar mate, saber dar informação de localização de rua para os próprios moradores, dormir no ônibus e acordar na hora certa de descer, estar totalmente acostumado ao clima frio e por aí vai. Tanta coisa que era novidade e agora faço sem me dar conta, em modo automático.

Ao mesmo tempo, ainda há aquela sensação de estrangeiro que bate de vez às vezes. Quando, de repente, me dou conta que todo mundo tem traços físicos de argentino e eu não. Quando é a primeira vez que tenho que fazer alguma coisa aqui e fico apenas observando as pessoas para não esbanjar ~~estrangeirice~~ na minha vez, porque não quero que ninguém perceba. E, aliás, toda hora tenho que fazer algo pela primeira vez aqui. Quando ouço criança de 5 anos falar espanhol mais rápido e com sotaque melhor que o meu, porque, por exemplo, é difícil pronunciar o S no meio das palavras como eles falam, já que em São Paulo puxamos demais o S. Quanto me pego lendo notícia em voz alta sozinho pra treinar entonação e falar cantadinho e mais anasalado. Quando me perguntam de onde sou. Quando tenho saudade de pão de queijo.

Morar fora é… muito louco. Só consigo definir assim. É essa mistura de me sentir cada vez mais morador, ao mesmo tempo em que me sinto loucamente estrangeiro e que acho os brasileiros e argentinos cada vez mais diferentes conforme vou aprendendo sobre as pessoas daqui. Fico curioso para saber como seria ir para o Brasil agora. Será que eu me sentiria já um pouquinho estranho lá? Será que, sem perceber, tive alguma mudança no jeito de ser por ter mudado de cultura que seria percebida? Só sei que a saudade domina e ontem foi dia do Brasil por aqui, o que será tema do meu próximo post.

Em relação a mim, pessoalmente, vejam só: minha maior preocupação em morar sozinho era que eu não sabia cozinhar. Que bobagem! Mal sabia eu quanta coisa maior ia ter pela frente, que ia me fazer sentir pequeninho diante do mundo, e isso porque não passei por nenhuma grande dificuldade até agora, por sorte. Mas quanto aprendizado. Quanta maturidade a gente tem que ter. Quão adulto a gente se torna! Porque precisa, caso contrário a vida atropela. Ou, melhor dizendo, derruba forninhos.

Quanto ao futuro? Não sei dizer. Aprendi em Buenos Aires que a gente vive um dia de cada vez. E faz dele o melhor que a gente consegue fazer.

Argentina? Por que a Argentina?

Muitos de vocês acompanharam todo o processo desde que comecei a querer vir para Buenos Aires, mas a maioria não sabe a história completa, em detalhes.. Por isso, resolvi começar o blog pelo começo de tudo mesmo. Espero que estejam sentados E NÃO DURMAM porque lá vem história:

Quando eu era criança, meu maior sonho era conhecer a neve. Talvez por isso eu tenha passado o começo da adolescência querendo morar em Nova York (cidade que hoje ainda não conheço, mas considero que não tem NADA a ver comigo): aqueles filmes de Natal com neve lá eram encantadores. Por isso, meu sonho de viagem era Bariloche. A Argentina era um país que me parecia legal e só, mas era a neve mais próxima, porque sdds neve digna no sul do Brasil, né, convenhamos. E, claro, para mim esta viagem só ocorreria aos vinte e poucos anos, quando eu trabalhasse e tivesse dinheiro.

Final de 2007. Naquela época eu tinha apenas 16 anos, não sonhava em fazer viagem de formatura, porque Porto Seguro, na época, não me interessava. Mas começou a surgir a interessante possibilidade de a viagem ser para… BARILOCHE. Pouco depois estava confirmado que seria para lá e, evidentemente, aproveitei a oportunidade para ir, já que com a minha família seria financeiramente impossível.

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16 de julho de 2008, 16h30, Cerro Otto: enfim na neve!

11 de julho de 2008. Naquela manhã nublada de inverno em São Paulo, partimos rumo ao aeroporto de Ezeiza, em Buenos Aires, a bordo de um voo da Aerolíneas Argentinas. Lembro até hoje que partiu às 7h15 da manhã e chegou aqui às 9h35, num dia também nublado. Desembarcava sem nem saber direito quais eram os pontos turísticos daqui, com certo preconceito pela rivalidade que o Galvão Bueno tenta colocar goela abaixo dos brasileiros e esperando encontrar um país miserável, porque pra grande imprensa brasileira a Argentina vive uma eterna crise.

Lembro que o ônibus entrou na cidade e tirei foto de um prédio muito bonito. Mais tarde descobri que era o Congreso Nacional, que viria a ser o ponto turístico mais próximo de onde moro. O ônibus parou no nosso hotel, o Bauen, ao lado de um cruzamento movimentadíssimo, da Callao com a Corrientes. Vi que Buenos Aires era bonita e portenhos se vestiam muito bem. A passagem foi rápida: naquele dia conhecemos a região da Plaza Francia, na Recoleta. No dia seguinte, um dia de sol e calor atípico para a época, um rápido city tour pelo Caminito, La Bombonera, Puerto Madero e Plaza de Mayo. À noite fomos ao Abasto Shopping, e na madrugada seguinte já partiríamos de Buenos Aires. Em Bariloche, ficaríamos sete dias, a neve seria algo realmente lindo e Buenos Aires estaria de novo no nosso caminho, mas apenas entre a tarde do dia 20 e a madrugada do dia 21.

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Lago Nahuel Huapi e as montanhas. Bariloche visto do avião é linda desse jeito! – Foto: Fábio De Nittis

Cheguei em São Paulo e, nossa, coitado de todo mundo. Milhões de fotos, milhões de histórias. Contava que Buenos Aires não era decadente, mas muito antiga e que o metrô caía aos pedaços, mas custava 90 centavos de peso. Que tinha muito táxi. Que falavam rápido. Que se vestiam bem. Que isso, que aquilo. Comecei a acompanhar o noticiário daqui sem saber nada de espanhol. Fui entendendo como era a Argentina, os tipos de problema que tinha, as vantagens que tinha, e por aí vai. Comecei a achar que devia viver aqui, porque  achava que nada no Brasil prestava e aqui parecia Europa (hoje penso que, se parecesse de fato em tudo, eu não estaria aqui. Que orgulho ser da América Latina!). Terminei o colégio, fiz cursinho, entrei na faculdade em 2010, quando comecei a juntar dinheiro e aprender o idioma. Comprava alfajores, doces de leite, ouvia músicas e os canais de notícias daqui. Lia sobre a economia sempre muito instável, tentava (mas até hoje não consegui) entender os diferentes sindicatos daqui, as relações com o governo, as relações políticas. Comecei a saber de cor a cotação do dólar e a taxa mensal da inflação, já tinha uma noção de onde ficava as principais avenidas da cidade. Enfim, começou a familiarização com Buenos Aires.

Final de 201o. Naquele ano, minha família decidiu fazer uma viagem para mais longe. Buenos Aires era favorável pelo câmbio, por ser um destino internacional perto do Brasil e porque eu infernizava que precisava voltar. Passagens compradas e aqui desembarcamos no dia 7 de fevereiro de 2011. Já com olhar de futuro morador, com mais conhecimento da cidade e com mais dias para passear, montei roteiros exaustivos que incluíam quilômetros e mais quilômetros de caminhada sob um calor que chegava aos 36 graus à sombra no cruel verão portenho. Todos os pontos turísticos visitados. O encantamento pelo país redobrado e não restou mais dúvida de que queria vir. “A próxima vez é para ficar”, dizia eu.

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Puerto Madero, a parte moderna de Buenos Aires, precisa ser visitado em dia de sol – Foto: Fábio De Nittis

Começo de 2012. Ledo engano. Uma bela noite estou na faculdade quando começam a divulgar um curso que cairia como uma luva. Era o Jornalismo Sem Fronteiras, que consiste em simular a vida de um enviado especial ao exterior. Os participantes palestras com correspondentes e teriam que produzir reportagens. Tudo isso em… Buenos Aires! Peguei parte das minhas economias para a mudança e vim. Uma experiência incrível porque não vim totalmente a turismo, mas também para praticar a profissão, fazer entrevista em espanhol, aprender mais ainda sobre o país e sobre os portenhos. Imaginem que incrível para mim tudo isso e se deslocar pela cidade totalmente sozinho, de metrô e com o ônibus 152. Nunca me esqueço a vez que fiquei totalmente sozinho pela primeira vez, num ponto de ônibus numa avenida chamada Paseo Colón, em San Telmo. Que ar de visão de futuro que aquilo me deu. Voltei para o Brasil tão fascinado que tive princípio de depressão (é sério!).

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Avenida de Mayo, no inverno de 2012. Olhem que lindas as árvores sem folhas – Foto: Fábio De Nittis

Enquanto tudo isso aconteceu, deixei de ser chato para aproveitar bastante a vida. Saí muito, descobri as baladas, subia e descia a Augusta toda hora, sabia de cor os preços das bebidas nas baladas. Aproveitei quase todas as festas da faculdade do começo ao fim. Fui pra sítio, praia e jogos universitários com os amigos. Passei a amar intensamente o Brasil, aproveitar o que o país tem para oferecer, valorizar demais as coisas daí, o lado popular e alegre, que as pessoas tanto tem – e eu tinha – preconceito (PAREM de achar que nada presta e todo mundo devia ter nascido em Londres. Apenas parem). Descobri o Carnaval, que é lembrado o ano inteiro. São os cinco dias que mais espero e que serão eternamente aproveitados porque sempre darei um jeitinho, ainda que até lá eu esteja morando aqui. Isso é promessa de mim pra mim mesmo.  Conheci Foz do Iguaçu. Fui para o Rio três vezes. Conheci a Europa e dormi no meio do Deserto do Saara. Se em 2009 eu pensava: “se morrer hoje, levo poucas histórias legais da minha vida”, em 2013 eu terminei o ano com a sensação de que, se eu morresse, eu teria realmente VIVIDO. Um alívio imenso saber que tive todas estas oportunidades e soube aproveitá-las. Que procurei realmente fazer dos meus dias os mais felizes possíveis.

Eu fiz amigos maravilhosos na faculdade e fora dela. De pouquíssimos, passei a ter vários amigos verdadeiros. Amigos que estiveram nos bons momentos, mas que sempre estavam comigo nos momentos difíceis. Amigos com quem compartilhei os melhores anos da minha vida e todas as fanfarronices que nela ocorreram durante os últimos quatro anos. Vivi inúmeras boas histórias, registradas em outras inúmeras fotos, na memória e, principalmente, no coração. (FUI BREGA MAS AMO VOCÊS, MIGS!!! Vocês são os que mais sabem como não foi fácil vir pra cá com o outro lado da balança pesando tanto!)

Este momento emotivo no post é para dizer que eu mudei muito ao longo destes seis anos entre começar a sonhar com a Argentina e vir. Morar aqui foi uma das pouquíssimas coisas que não mudou em mim, apesar de tudo de excelente que vivi no Brasil. E agora resolvi registrar o que acontece no país do tango e comigo neste blog, que é uma mistura sobre a Argentina e minha vida pessoal. Algo que quero ler daqui uns anos e ver que deixei registrado cada etapa da minha vida aqui.

Não faço a menor ideia de quanto tempo passarei em Buenos Aires. Por enquanto, la estoy pasando bien. Acho que esta expressão argentina, indicada para dizer que você se sente bem diante de alguma situação, tem me definido muito bem até agora. Daí o nome do blog. SEJAM BEM-VINDOS!!!