Meio ano portenho

Uma das vistas mais bonitas da cidade, na minha opinião - Foto: Nelson De Nittis

Avenida de Mayo e Congreso: uma das vistas mais bonitas da cidade, na minha opinião – Foto: Nelson De Nittis

De repente o tempo voou sem eu me dar conta e: seis meses de Buenos Aires. Meio ano. E é engraçada a percepção do tempo. Quando penso no quanto de mudanças pelas quais passei e na saudade que sinto dos meus amigos, da minha família e do meu cachorro, parece que faz, na verdade, uns seis anos que estou aqui sem vê-los. Quando penso na faculdade, no emprego que eu tinha, nossa, já parece outra vida.

Os problemas que eu enfrentava no Brasil ficaram tão para trás. Porque, é claro, as coisas boas a gente se adapta rápido: enfim morar perto de tudo, estar bem servido de transporte, andar de ônibus sem catraca e pagar uma tarifa irrisória, que não chega a 1 real. Como permaneci todo este tempo morando em um só bairro, parece que a Avenida Rivadavia sempre foi o cenário da minha vida toda. É estranha esta sensação de estar tão familiarizado, inclusive com aqueles probleminhas do dia a dia.

Por outro lado, não vi este tempo passar. Como não tem nada estável – estável para mim virou a instabilidade – por enquanto, tive a sensação de que, apesar de ser setembro, 2014 não começou de fato. Mas já vai acabar. E eu me imaginava nesta época já ter renda mensal fixa, mil amizades, estar em balada todo fim de semana, falar espanhol perfeito e até já ter viajado para o Brasil. Ó AZIDEIA. Só me esqueci que tudo o que é construído em 23 anos em um lugar não é possível de ser construído em poucos meses em outro, ainda mais sendo outro país. Certamente, aprender a ter menos pressa foi um grande aprendizado deste período aqui. É clichê, mas tudo tem seu tempo.

E, sem perceber, começam a acontecer coisas do tipo: entender cada vez melhor os grandes temas do país (tipo economia, política, cultura), começar a saber da vida das celebridades locais porque passa na televisão, saber onde estão os canais da TV, conhecer as músicas nacionais que tocam no rádio, saber o preço das coisas em pesos e começar a esquecer quanto pagava pelas mesmas coisas em reais, achar normal viver num país com inflação (ainda que eu viva falando do tema nas redes sociais), começar a trocar o Mc Donalds que eu comia em São Paulo pelas empanadas quando se precisa comer rápido, não perceber o gosto salgado da água mineral daqui, pedir prato em restaurante e comer sem sentir falta do arroz, trocar encontro em bar por tomar café porque faz frio, tomar mate, saber dar informação de localização de rua para os próprios moradores, dormir no ônibus e acordar na hora certa de descer, estar totalmente acostumado ao clima frio e por aí vai. Tanta coisa que era novidade e agora faço sem me dar conta, em modo automático.

Ao mesmo tempo, ainda há aquela sensação de estrangeiro que bate de vez às vezes. Quando, de repente, me dou conta que todo mundo tem traços físicos de argentino e eu não. Quando é a primeira vez que tenho que fazer alguma coisa aqui e fico apenas observando as pessoas para não esbanjar ~~estrangeirice~~ na minha vez, porque não quero que ninguém perceba. E, aliás, toda hora tenho que fazer algo pela primeira vez aqui. Quando ouço criança de 5 anos falar espanhol mais rápido e com sotaque melhor que o meu, porque, por exemplo, é difícil pronunciar o S no meio das palavras como eles falam, já que em São Paulo puxamos demais o S. Quanto me pego lendo notícia em voz alta sozinho pra treinar entonação e falar cantadinho e mais anasalado. Quando me perguntam de onde sou. Quando tenho saudade de pão de queijo.

Morar fora é… muito louco. Só consigo definir assim. É essa mistura de me sentir cada vez mais morador, ao mesmo tempo em que me sinto loucamente estrangeiro e que acho os brasileiros e argentinos cada vez mais diferentes conforme vou aprendendo sobre as pessoas daqui. Fico curioso para saber como seria ir para o Brasil agora. Será que eu me sentiria já um pouquinho estranho lá? Será que, sem perceber, tive alguma mudança no jeito de ser por ter mudado de cultura que seria percebida? Só sei que a saudade domina e ontem foi dia do Brasil por aqui, o que será tema do meu próximo post.

Em relação a mim, pessoalmente, vejam só: minha maior preocupação em morar sozinho era que eu não sabia cozinhar. Que bobagem! Mal sabia eu quanta coisa maior ia ter pela frente, que ia me fazer sentir pequeninho diante do mundo, e isso porque não passei por nenhuma grande dificuldade até agora, por sorte. Mas quanto aprendizado. Quanta maturidade a gente tem que ter. Quão adulto a gente se torna! Porque precisa, caso contrário a vida atropela. Ou, melhor dizendo, derruba forninhos.

Quanto ao futuro? Não sei dizer. Aprendi em Buenos Aires que a gente vive um dia de cada vez. E faz dele o melhor que a gente consegue fazer.