Um dia eu viajei para o Brasil

Eu peguei o primeiro avião com destino à felicidade. - Foto: Fábio De Nittis

Eu peguei o primeiro avião com destino à felicidade. – Foto: Fábio De Nittis

Era setembro, tinha tido Dia do Brasil no sábado anterior. Resolvi comprar passagens para o Carnaval sem nem saber se teria dinheiro para continuar morando em Buenos Aires até fevereiro, porque planejar mais que um ou dois meses à frente, na atual fase da minha vida, anda impossível. Em janeiro resolvi alterar a data da passagem para ficar 11 dias em São Paulo, depois de 11 meses sem dar as caras na cidade que eu nasci e vivi a vida toda.

Chegou o tão esperado 6 de fevereiro. Um dia lindo em que acordei antes de amanhecer, me arrumei, peguei a mala, peguei o ônibus e enfim pisava no Aeroparque. Depois de umas dez vezes indo lá buscar e levar amigos, me emocionar com encontros e despedidas, chegava a minha vez de voar rumo à minha cidade.

O voo atrasou. Quando o avião acelerou na pista, meu coração também foi a 1.000 por hora. Olhei pela janela, vi a linda Buenos Aires ficando pra trás, lembrei porque gosto tanto desta cidade. Na tentativa de controlar a ansiedade, peguei a revistinha de entretenimento da companhia aérea. Para a minha surpresa, trazia a programação dos blocos de Carnaval em várias cidades, inclusive São Paulo. O melhor disso? eu estaria lá. Minutos deppois surge guaraná no serviço de bordo. Gente, eu nem era de tomar muito guaraná, mas quando vi ali e tomei, parecia a melhor coisa do mundo.

Horas depois, e com mais um pouco de atraso pelo tráfego aéreo de Guarulhos, pousei. Reencontrei minha família. Eu não via meu pai e meu irmão desde julho. Minha mãe, então, desde maio. Parecia um sonho. Logo depois veio a estranheza: ouvir e ler tudo em português, andar pelo bairro onde morei 23 anos e ver tanta coisa diferente. Esta sensação de estranheza me acompanhou nos dias seguintes, quando usei ônibus, metrô. E começaram a acontecer coisas do tipo: me perdi no terminal de ônibus que usei tantas vezes porque mudaram os pontos das linhas. Outro dia, cheguei no ponto da linha que sempre pegava. Um senhor me questionou se o ônibus passava na avenida tal. “Desculpe, não sei, não moro aqui”, foi a minha resposta, que ficou ecoando por minutos na minha cabeça. De fato, São Paulo já me parecia meio estranha porque não é mais a cidade que eu moro.

E sobre isso, soa coxinhice e é difícil de explicar. Óbvio que em umas semanas eu voltaria a me sentir em casa como se nunca tivesse havido Buenos Aires. Mas São Paulo não é mais a cidade que moro pra eu me sentir 100% à vontade. Visitar minha cidade natal foi… DIFERENTE. Esta é a palavra! E esse é o motivo do desconforto: achei que 11 meses não seriam suficientes pra achar nada diferente. E é engraçado: me senti indo da minha casa para a casa ao mesmo tempo em que me sinti sem pátria, por não me sentir 100% daí nem 100% daqui. E nunca serei.

Nos dias no Brasil eu voltei a comer a comida da minha mãe, vi familiares, vi amigos e cantei e dancei em blocos e mais blocos. Porque uma coisa não muda, caros amigos: a paixão pelo Carnaval (lembro que falei pros meus amigos que, acontecesse o que tivesse que acontecer, mas em 2015 eu estaria no Carnaval paulistano). Voltei a dormir na cama que sempre dormir, a estar numa zona de conforto de pensar apenas em trabalhar (porque não peguei folga) e me divertir, sem pensar em contas, em burocracias para resolver, em problemas de adulto. Foi um descanso mental necessário.

Voltei para Buenos Aires com o coração na mão de saber que toda aquela gente querida não estaria mais presente no meu dia-a-dia, mas já com saudades das terras portenhas. E voltei com a mesma sensação que sempre tive, desde que comecei a querer vir viver aqui: que, na verdade, eu queria estar 50% em São Paulo e 50% em Buenos Aires. Como o teletransporte ainda não existe, espero que as companhias aéreas baixem preços e permitam que essa distância se faça menor.

Argentina? Por que a Argentina?

Muitos de vocês acompanharam todo o processo desde que comecei a querer vir para Buenos Aires, mas a maioria não sabe a história completa, em detalhes.. Por isso, resolvi começar o blog pelo começo de tudo mesmo. Espero que estejam sentados E NÃO DURMAM porque lá vem história:

Quando eu era criança, meu maior sonho era conhecer a neve. Talvez por isso eu tenha passado o começo da adolescência querendo morar em Nova York (cidade que hoje ainda não conheço, mas considero que não tem NADA a ver comigo): aqueles filmes de Natal com neve lá eram encantadores. Por isso, meu sonho de viagem era Bariloche. A Argentina era um país que me parecia legal e só, mas era a neve mais próxima, porque sdds neve digna no sul do Brasil, né, convenhamos. E, claro, para mim esta viagem só ocorreria aos vinte e poucos anos, quando eu trabalhasse e tivesse dinheiro.

Final de 2007. Naquela época eu tinha apenas 16 anos, não sonhava em fazer viagem de formatura, porque Porto Seguro, na época, não me interessava. Mas começou a surgir a interessante possibilidade de a viagem ser para… BARILOCHE. Pouco depois estava confirmado que seria para lá e, evidentemente, aproveitei a oportunidade para ir, já que com a minha família seria financeiramente impossível.

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16 de julho de 2008, 16h30, Cerro Otto: enfim na neve!

11 de julho de 2008. Naquela manhã nublada de inverno em São Paulo, partimos rumo ao aeroporto de Ezeiza, em Buenos Aires, a bordo de um voo da Aerolíneas Argentinas. Lembro até hoje que partiu às 7h15 da manhã e chegou aqui às 9h35, num dia também nublado. Desembarcava sem nem saber direito quais eram os pontos turísticos daqui, com certo preconceito pela rivalidade que o Galvão Bueno tenta colocar goela abaixo dos brasileiros e esperando encontrar um país miserável, porque pra grande imprensa brasileira a Argentina vive uma eterna crise.

Lembro que o ônibus entrou na cidade e tirei foto de um prédio muito bonito. Mais tarde descobri que era o Congreso Nacional, que viria a ser o ponto turístico mais próximo de onde moro. O ônibus parou no nosso hotel, o Bauen, ao lado de um cruzamento movimentadíssimo, da Callao com a Corrientes. Vi que Buenos Aires era bonita e portenhos se vestiam muito bem. A passagem foi rápida: naquele dia conhecemos a região da Plaza Francia, na Recoleta. No dia seguinte, um dia de sol e calor atípico para a época, um rápido city tour pelo Caminito, La Bombonera, Puerto Madero e Plaza de Mayo. À noite fomos ao Abasto Shopping, e na madrugada seguinte já partiríamos de Buenos Aires. Em Bariloche, ficaríamos sete dias, a neve seria algo realmente lindo e Buenos Aires estaria de novo no nosso caminho, mas apenas entre a tarde do dia 20 e a madrugada do dia 21.

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Lago Nahuel Huapi e as montanhas. Bariloche visto do avião é linda desse jeito! – Foto: Fábio De Nittis

Cheguei em São Paulo e, nossa, coitado de todo mundo. Milhões de fotos, milhões de histórias. Contava que Buenos Aires não era decadente, mas muito antiga e que o metrô caía aos pedaços, mas custava 90 centavos de peso. Que tinha muito táxi. Que falavam rápido. Que se vestiam bem. Que isso, que aquilo. Comecei a acompanhar o noticiário daqui sem saber nada de espanhol. Fui entendendo como era a Argentina, os tipos de problema que tinha, as vantagens que tinha, e por aí vai. Comecei a achar que devia viver aqui, porque  achava que nada no Brasil prestava e aqui parecia Europa (hoje penso que, se parecesse de fato em tudo, eu não estaria aqui. Que orgulho ser da América Latina!). Terminei o colégio, fiz cursinho, entrei na faculdade em 2010, quando comecei a juntar dinheiro e aprender o idioma. Comprava alfajores, doces de leite, ouvia músicas e os canais de notícias daqui. Lia sobre a economia sempre muito instável, tentava (mas até hoje não consegui) entender os diferentes sindicatos daqui, as relações com o governo, as relações políticas. Comecei a saber de cor a cotação do dólar e a taxa mensal da inflação, já tinha uma noção de onde ficava as principais avenidas da cidade. Enfim, começou a familiarização com Buenos Aires.

Final de 201o. Naquele ano, minha família decidiu fazer uma viagem para mais longe. Buenos Aires era favorável pelo câmbio, por ser um destino internacional perto do Brasil e porque eu infernizava que precisava voltar. Passagens compradas e aqui desembarcamos no dia 7 de fevereiro de 2011. Já com olhar de futuro morador, com mais conhecimento da cidade e com mais dias para passear, montei roteiros exaustivos que incluíam quilômetros e mais quilômetros de caminhada sob um calor que chegava aos 36 graus à sombra no cruel verão portenho. Todos os pontos turísticos visitados. O encantamento pelo país redobrado e não restou mais dúvida de que queria vir. “A próxima vez é para ficar”, dizia eu.

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Puerto Madero, a parte moderna de Buenos Aires, precisa ser visitado em dia de sol – Foto: Fábio De Nittis

Começo de 2012. Ledo engano. Uma bela noite estou na faculdade quando começam a divulgar um curso que cairia como uma luva. Era o Jornalismo Sem Fronteiras, que consiste em simular a vida de um enviado especial ao exterior. Os participantes palestras com correspondentes e teriam que produzir reportagens. Tudo isso em… Buenos Aires! Peguei parte das minhas economias para a mudança e vim. Uma experiência incrível porque não vim totalmente a turismo, mas também para praticar a profissão, fazer entrevista em espanhol, aprender mais ainda sobre o país e sobre os portenhos. Imaginem que incrível para mim tudo isso e se deslocar pela cidade totalmente sozinho, de metrô e com o ônibus 152. Nunca me esqueço a vez que fiquei totalmente sozinho pela primeira vez, num ponto de ônibus numa avenida chamada Paseo Colón, em San Telmo. Que ar de visão de futuro que aquilo me deu. Voltei para o Brasil tão fascinado que tive princípio de depressão (é sério!).

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Avenida de Mayo, no inverno de 2012. Olhem que lindas as árvores sem folhas – Foto: Fábio De Nittis

Enquanto tudo isso aconteceu, deixei de ser chato para aproveitar bastante a vida. Saí muito, descobri as baladas, subia e descia a Augusta toda hora, sabia de cor os preços das bebidas nas baladas. Aproveitei quase todas as festas da faculdade do começo ao fim. Fui pra sítio, praia e jogos universitários com os amigos. Passei a amar intensamente o Brasil, aproveitar o que o país tem para oferecer, valorizar demais as coisas daí, o lado popular e alegre, que as pessoas tanto tem – e eu tinha – preconceito (PAREM de achar que nada presta e todo mundo devia ter nascido em Londres. Apenas parem). Descobri o Carnaval, que é lembrado o ano inteiro. São os cinco dias que mais espero e que serão eternamente aproveitados porque sempre darei um jeitinho, ainda que até lá eu esteja morando aqui. Isso é promessa de mim pra mim mesmo.  Conheci Foz do Iguaçu. Fui para o Rio três vezes. Conheci a Europa e dormi no meio do Deserto do Saara. Se em 2009 eu pensava: “se morrer hoje, levo poucas histórias legais da minha vida”, em 2013 eu terminei o ano com a sensação de que, se eu morresse, eu teria realmente VIVIDO. Um alívio imenso saber que tive todas estas oportunidades e soube aproveitá-las. Que procurei realmente fazer dos meus dias os mais felizes possíveis.

Eu fiz amigos maravilhosos na faculdade e fora dela. De pouquíssimos, passei a ter vários amigos verdadeiros. Amigos que estiveram nos bons momentos, mas que sempre estavam comigo nos momentos difíceis. Amigos com quem compartilhei os melhores anos da minha vida e todas as fanfarronices que nela ocorreram durante os últimos quatro anos. Vivi inúmeras boas histórias, registradas em outras inúmeras fotos, na memória e, principalmente, no coração. (FUI BREGA MAS AMO VOCÊS, MIGS!!! Vocês são os que mais sabem como não foi fácil vir pra cá com o outro lado da balança pesando tanto!)

Este momento emotivo no post é para dizer que eu mudei muito ao longo destes seis anos entre começar a sonhar com a Argentina e vir. Morar aqui foi uma das pouquíssimas coisas que não mudou em mim, apesar de tudo de excelente que vivi no Brasil. E agora resolvi registrar o que acontece no país do tango e comigo neste blog, que é uma mistura sobre a Argentina e minha vida pessoal. Algo que quero ler daqui uns anos e ver que deixei registrado cada etapa da minha vida aqui.

Não faço a menor ideia de quanto tempo passarei em Buenos Aires. Por enquanto, la estoy pasando bien. Acho que esta expressão argentina, indicada para dizer que você se sente bem diante de alguma situação, tem me definido muito bem até agora. Daí o nome do blog. SEJAM BEM-VINDOS!!!